Amor, Desejo e Escolha
A frase “Quem ama não deseja, quem deseja não ama” nos convida a mergulhar em um paradoxo. À primeira vista, ela parece separar radicalmente dois sentimentos que, na experiência comum, tantas vezes se confundem: o amor e o desejo.
Platão já apontava que o desejo nasce da falta. Desejamos o que não temos, o que escapa, o que nos atrai por sua distância. Assim, no ideal do amor platônico, o amor verdadeiro seria aquele que transcende o desejo, pois não está mais preso à carência, é contemplação do Bem, da Beleza, do Absoluto.
Por outro lado, na vida concreta e relacional, amor e desejo muitas vezes andam de mãos dadas. Desejamos a quem amamos não porque nos falte algo, mas porque amamos o reencontro, o toque, o afeto renovado.
No entanto, para além da dicotomia, existe um ponto de maturidade que ultrapassa a tensão entre desejo e amor: a escolha. Amar, na vida real, é escolher. Escolher estar. Escolher permanecer. E essa escolha se torna ainda mais significativa quando é feita não por falta, mas por consciência.
É aqui que surge uma distinção fundamental entre dois tipos de relações humanas: o parasitismo e a simbiose.
No parasitismo emocional, duas pessoas se encontram em um momento de dor, de carência, de busca por cura. A relação nasce da necessidade: cada um vê no outro uma possibilidade de remendo, de consolo, de completude. Agem como crianças que brincam até se cansar, quando um se sente “curado”, a função do outro se esgota. A relação era um meio, não um fim. Isso é comum em relações que nascem do trauma: quando o trauma se dissolve, o vínculo também.
A psicanálise reconhece esse movimento. Muitas vezes, duas pessoas se unem não por amor, mas por um mecanismo inconsciente de cura. Quando um encontra alívio, o outro pode se sentir abandonado, não por desamor, mas porque a função simbólica daquela relação chegou ao fim. Há aprendizado, mas não permanência.
Já na simbiose verdadeira, não há dependência ou função. Há decisão. Duas pessoas que reconhecem que juntas vivem melhor. Não porque uma cura a outra, mas porque cada uma ajuda a outra a crescer. Não há esvaziamento, mas troca. A simbiose não é fusão cega: é convivência lúcida. É o entendimento profundo de que, na presença do outro, eu posso ser mais plenamente quem sou.
Amor, então, não é apenas desejo, nem ausência de desejo. É um pacto consciente entre dois seres inteiros que decidem crescer juntos. Não há garantia de eternidade, mas há compromisso com o presente, com o cultivo diário da relação.
Portanto, talvez seja mais justo substituir a velha frase por uma nova:
"Quem ama, deseja permanecer. E quem escolhe permanecer, ama."
Cleiton dos Santos
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