Em Cada Acorde

Pode até parecer estranho, mas eu fui cristão por grande parte da minha vida e, durante todo esse tempo, nunca chorei de joelhos, nem tive aquele tipo de experiência com a oração que muitos falam. Nunca vivi aquele momento de entrega, de arrependimento ou de busca fervorosa por um contato direto com deus. No entanto, se eu parar para pensar, já perdi a conta das vezes em que chorei sozinho, de madrugada, com um instrumento na mão. Ali, no silêncio do meu quarto, eu ouvia as notas se espalhando no ar, sentia as dissonâncias e as tensões que surgiam ao tocar uma melodia que, muitas vezes, nem eu sabia de onde vinha. Eu criava, sem pressa, enquanto as lágrimas caíam, como se a música fosse a única forma de expressar algo que palavras não conseguiriam alcançar.

A dor, o vazio, a saudade... Todos esses sentimentos estavam ali, mas não eram algo que eu pudesse colocar em frases ou orações. Eu tentava orar, mas as palavras simplesmente não saíam, como se o que eu sentia fosse tão grande que não cabia em uma prece, não cabia em um pedido. Mas no som do instrumento, nas notas que eu ia tocando, naquela melodia que eu criava quase sem querer, eu sentia uma conexão, como se, por mais que eu não soubesse exatamente com quem ou com o quê, algo maior estava ali, ouvindo, sentindo. Talvez fosse uma forma de oração, talvez fosse a única oração que eu soubesse fazer.

Muitas vezes me peguei refletindo sobre isso, sobre o quanto eu me sentia distante de uma fé organizada, de uma crença estruturada. Eu olhava para as pessoas ao meu redor, via a devoção delas, via o conforto que encontravam nas palavras e nas cerimônias, e pensava: "Será que sou eu que não estou entendendo?" Talvez eu nunca seja compreendido da forma que eu gostaria de ser, talvez eu nunca receba o tipo de amor que eu espero receber, mas, de alguma forma, naquela música que ecoa em mim, nas melodias que soam como se saíssem diretamente do meu coração, eu encontro uma espécie de expressão, uma forma de comunicação que, para mim, é mais sincera e verdadeira que qualquer oração falada.

Se existe um deus, eu acredito que a minha forma de me conectar com ele não é através de palavras bem formuladas ou rituais. É na música, no silêncio que ela cria, nas emoções que ela desperta. É ali, nas notas que se tornam preces, que eu encontro meu lugar de pertencimento. Eu não tenho certezas, é verdade. Eu não tenho respostas claras, eu não tenho aquela fé inabalável que muitos dizem ter. Mas eu tenho esperança. Uma esperança que persiste, mesmo quando tudo ao meu redor parece me empurrar para o ceticismo e para a dúvida. E, mesmo sem uma fé estruturada, eu quero acreditar. Eu sinto que existe algo mais profundo, mais vasto, mesmo quando o peso da vida me faz questionar isso o tempo todo.

A música é minha oração, é o meu consolo, o meu refúgio. Ela me conforta de maneiras que palavras jamais conseguiriam. Ela me eleva para lugares onde eu posso, de alguma forma, tocar o divino, ainda que não saiba exatamente o que é esse "divino". E, por isso, eu acredito que, nesse silêncio sonoro, é onde eu encontro meu deus.

Cleiton dos Santos 

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