Onde Dói a Alma: Vivendo no Automático e o Caminho da Consciência

Você já se deu conta de que, muitas vezes, está apenas existindo, não vivendo? Já parou para pensar que segue seus dias no automático, como se estivesse apenas cumprindo uma programação interior que desconhece? Acorda, trabalha, cuida das obrigações, consome distrações e repete o ciclo. Tudo parece acontecer sem que você esteja verdadeiramente presente. E quando menos espera, mais um ano passou, e você não sabe onde foi parar o tempo.

Vivemos desconectados do agora. E quando não estamos conscientes do momento presente, ele se perde. Escorre como água entre os dedos e se mistura no oceano profundo do inconsciente, onde memórias se tornam sombras, vagas sensações, ou ficam completamente inacessíveis.

Acredito que dentro de nós habitam dois "eus": o consciente e o inconsciente. O primeiro é aquele que pensa, decide, reflete. O segundo é mais misterioso, age por impulsos, arquiva emoções, guarda traumas, e às vezes, fala por meio de sonhos, sintomas ou dores que não sabemos explicar. Essa dualidade já era percebida pelas tradições espirituais e religiosas de tempos antigos. Muitos chamam isso de "a batalha entre o espírito e a carne", entre o que somos em essência e o que herdamos de nossos condicionamentos e feridas.

É curioso como símbolos antigos, como a estrela de cinco pontas, que representa equilíbrio entre corpo, mente, espírito, emoção e vontade, foram, com o tempo, demonizados por aqueles que ignoraram a sabedoria ancestral. Falo mais sobre isso no meu livro "Um Encontro entre o Sagrado e o Inconsciente", onde abordo como a psicanálise e a espiritualidade não são opostas, mas sim caminhos que se cruzam na busca por sentido e cura interior.

A verdade é que muitas vezes só conseguimos acessar certas memórias e sentimentos através de estímulos materiais. Um papel de bala esquecido no fundo de uma gaveta pode nos transportar para uma lembrança antiga. Uma música, um cheiro, uma foto desbotada, até mesmo uma pedra encontrada na rua podem servir como portais para lembranças que estavam adormecidas. E isso acontece porque a mente não é um arquivo lógico e ordenado, ela é emocional. O acesso às nossas lembranças depende de conexões afetivas.

Experimente: tente se lembrar do que você almoçou exatamente um ano atrás neste mesmo dia. Difícil, não? Ou você não viveu esse momento com atenção plena, ou sua mente arquivou essa informação como irrelevante. E é assim com grande parte da nossa vida: vivemos sem presença, e por isso esquecemos.

Há, ainda, outro fator. Nosso cérebro é extremamente sábio. Ele é capaz de desligar certas memórias, bloquear certos sentimentos, adormecer feridas profundas, tudo para nos proteger. Às vezes, a dor é tão intensa que a mente prefere esconder. Mas o corpo sente, e a alma lembra. Em algum momento, algo desperta essa dor escondida. Pode ser um cheiro, um objeto, uma frase ou uma situação que você nem entende por que te causou tanto incômodo. De repente, você está chorando sem motivo aparente, ou se sente esmagado por uma angústia inexplicável. Isso são os gatilhos.

Gatilhos emocionais não são fraqueza. Eles são portas. Portas que levam a feridas abertas ou mal cicatrizadas. Você sente uma dor que não compreende, e isso te assusta. Mas a dor é um sinal. Ela existe para mostrar que há algo errado. Assim como a dor física nos alerta sobre uma infecção ou lesão, a dor emocional nos aponta uma ferida interna que precisa ser cuidada.

Quando procuramos um médico e relatamos onde dói, isso o ajuda a encontrar a causa e tratar a doença. Se apenas tomarmos analgésicos para esconder a dor, ela até desaparece por um tempo, mas a causa continua ali, crescendo, agravando-se. O mesmo acontece com a alma. Paliativos emocionais, como distrações, vícios, negações, ou tentativas de ignorar o que sentimos, não curam. Apenas adiam o confronto com a verdade interior.

Por isso é tão importante reconhecer onde dói. E ter coragem de buscar ajuda, seja com um terapeuta, um psicanalista, um guia espiritual, ou alguém preparado para ouvir com empatia e compreensão. Você é quem sente a sua dor. Só você sabe como ela pulsa, mesmo que ainda não saiba por quê. Tornar-se consciente do que dói é o primeiro passo para curar.

Reflita com carinho sobre isso. Quantas vezes você passou semanas, meses ou até anos vivendo de forma inconsciente? Quantas memórias perdeu por não estar verdadeiramente presente? Quantas dores carrega sem nome, sem rosto, sem compreensão?

Você não está aqui apenas para sobreviver aos dias. Está aqui para viver com presença, com intenção, com verdade. Está aqui para sentir, aprender, transformar e crescer. Desperte do automático. Permita-se habitar o agora. Escute sua alma. Dê nome à sua dor. E busque, com coragem, o caminho da cura.

Porque viver com consciência não é apenas estar desperto, é estar inteiro.

Cleiton dos Santos 

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