O Peso de Ver Demais

Há um tipo de tristeza que não nasce da perda, da solidão cotidiana ou das feridas emocionais comuns, mas de algo mais profundo: a lucidez. É a tristeza de quem enxerga demais, de quem atravessa as ilusões que embelezam a vida e se depara com o real em sua face nua. Não é uma dor que chega de repente, como uma flecha, mas uma melancolia que se instala lentamente, como névoa que se adensa no horizonte até apagar as cores.

Ela surge quando compreendemos que a vida não é a narrativa heroica que tantas vezes nos contaram, mas um conjunto de momentos fragmentados, pequenos e frágeis, que escapam pelos dedos antes mesmo de serem vividos por completo. Perceber isso é como observar um castelo de areia erguido com esforço e detalhe, apenas para vê-lo ser dissolvido pela primeira onda que toca a praia.

O amor, que tantas vezes imaginamos eterno, revela-se como emoção delicada, feita de carne e tempo, sujeita a rupturas, a esquecimentos, a desencontros. Ele não deixa de ser belo por isso, mas sua beleza carrega o peso da transitoriedade: ama-se intensamente, e no instante seguinte já se começa a perder o que se julgava possuir.

A felicidade, por sua vez, não se apresenta como um estado duradouro, mas como lampejo breve, um raio de luz que corta a escuridão apenas por alguns segundos. Tentamos capturá-la, como quem tenta segurar a água nas mãos, mas ela escorre, deixando-nos apenas com o vazio da tentativa.

E é justamente essa clareza que gera uma solidão peculiar. Não a solidão de estar fisicamente só, mas a de sentir-se desconectado do mundo, como se houvesse uma distância invisível entre nós e os outros. É estar entre pessoas, sorrindo, conversando, vivendo, mas com a sensação secreta de que não se pertence verdadeiramente àquele cenário. É como assistir a um teatro do qual já conhecemos o roteiro, sem conseguir mais acreditar no enredo.

Essa solidão se aprofunda quando percebemos que, muitas vezes, nem de nós mesmos conseguimos estar próximos. Há um abismo interno entre o que somos e o que gostaríamos de ser, entre o que sentimos e o que mostramos. Somos, ao mesmo tempo, atores e espectadores de nossa própria existência, uma existência que, quando vista com clareza extrema, revela-se bela e trágica em sua impermanência.

Talvez essa seja a mais silenciosa das tristezas: não a que clama por consolo, mas a que se cala, porque sabe que não há consolo suficiente. É a dor de compreender que tudo o que é vivo se desfaz, que tudo o que é pleno é transitório, e que todo instante já carrega em si a semente de sua própria perda.

Cleiton dos Santos 

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