MINHA FÉ TEM SOM
Desde muito pequeno, eu percebia que a minha maneira de enxergar Deus e a espiritualidade era diferente da maioria das pessoas ao meu redor. Enquanto muitos pareciam encontrar consolo e propósito nas palavras das orações, eu me sentia perdido, como se algo não se encaixasse dentro de mim. Sempre tive a sensação de estar à margem, como se fosse um anjo com a asa quebrada, tentando voar no meio de tantos que já sabiam como alcançar o céu.
Eu não entendia o porquê da oração. As palavras pareciam não fazer sentido, como se fossem ditas apenas por hábito, sem alma. Eu ouvia os cânticos, via os gestos, observava a fé estampada nos rostos, mas dentro de mim havia um silêncio estranho, um vazio que nem mesmo a rotina da fé conseguia preencher.
Mas um momento ficou gravado em mim com força. Eu tinha cinco anos quando, pela primeira vez, vi os instrumentos de metal sendo tocados na igreja. Foi como uma explosão de luz. Aqueles sons, intensos e cheios de vida, despertaram algo dentro de mim. Não era apenas curiosidade, era uma necessidade. Eu precisava aprender a manipular aqueles instrumentos. Aquilo era mais do que música; era uma forma de expressão que parecia traduzir tudo o que eu sentia, mas não sabia dizer.
Demorou anos para que eu finalmente pudesse realizar esse desejo. Durante esse tempo, a desconexão com a espiritualidade tradicional continuava me acompanhando. Eu não conseguia entender a relação que tantas pessoas tinham com Deus. Não compreendia aquela entrega tão absoluta. Me sentia ainda mais deslocado, como se houvesse algo de errado comigo.
Foi por volta dos meus 14 anos que tudo começou a mudar. Tive meu primeiro contato verdadeiro com a música, não apenas como ouvinte, mas como alguém que queria entender, estudar, mergulhar nesse universo. Antes mesmo de aprender a tocar um instrumento, mergulhei nos livros, nas partituras, nas teorias. Ninguém se dispôs a me ensinar, talvez por acharem que eu não conseguiria, talvez por simples falta de interesse. Então, precisei seguir sozinho, estudando com afinco, dia após dia, movido apenas pelo desejo de tocar, de fazer parte daquela linguagem silenciosa que tanto me chamava.
Hoje, quando coloco um instrumento nas mãos, tudo faz sentido. Cada nota que toco é como uma oração que finalmente compreendo. Não com palavras, mas com sentimento. A música se tornou minha ponte com o divino. É através dela que eu me conecto com algo maior, com algo que antes parecia distante e incompreensível.
Ainda sou diferente. Ainda me sinto fora do padrão, alguém que não se encaixa completamente nos moldes esperados. Mas hoje isso não me incomoda mais. Porque dentro de mim existe uma certeza: a certeza do que sinto quando toco, quando componho, quando deixo a alma se expressar através do som. E é essa certeza que me guia, que me fortalece, que me lembra que, mesmo com a asa quebrada, ainda sou capaz de voar.
Comentários
Postar um comentário