Retornar ao Cristo: uma reflexão sobre autoridade e salvação no Evangelho



Em meio à diversidade de doutrinas e interpretações que marcam a história do cristianismo, há um chamado que permanece vivo e desafiador: retornar à pessoa e aos ensinamentos de Jesus. Ele, que é o fundamento da fé cristã, ofereceu não apenas palavras, mas uma vida inteira como testemunho do que significa viver em comunhão com deus e com os outros.

Um dos ensinos mais contundentes de Jesus está registrado em Mateus 23:9: “A ninguém chameis sobre a terra vosso pai, porque um só é o vosso Pai, aquele que está nos céus.” Nesse mesmo espírito, ele também alerta contra títulos como “mestre” ou “pastor” usados de forma a exaltar a autoridade humana sobre os outros. O sentido é claro: o reino de deus não se estrutura segundo hierarquias mundanas, mas segundo a humildade, o serviço e a fraternidade. Toda autoridade que se arroga o direito de ocupar o lugar de deus ou subjugar os irmãos está, nesse ponto, em oposição direta ao evangelho.

Outro aspecto importante a considerar é que, ao longo dos séculos, muitos cristãos passaram a afirmar que a salvação depende, sobretudo, de “aceitar o sacrifício de Jesus”. No entanto, nos próprios evangelhos, não vemos Jesus propor essa fórmula como condição única para a vida eterna. Em vez disso, quando foi questionado diretamente sobre esse tema, ele apontou para a vivência concreta dos mandamentos.

No episódio do jovem rico (Mateus 19:16-22), o rapaz pergunta: “Mestre, que farei de bom para alcançar a vida eterna?” Jesus responde de forma direta: “Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos.” E cita: “Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, honra teu pai e tua mãe, amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Em seguida, convida o jovem a ir além, a desapegar-se de suas riquezas e segui-lo, não como um pré-requisito teológico, mas como um chamado existencial.

De modo semelhante, quando um doutor da Lei o interroga sobre o maior mandamento (Lucas 10:25-28), perguntando: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?”, Jesus devolve a pergunta: “O que está escrito na Lei?” E quando o homem responde: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração (...) e ao teu próximo como a ti mesmo,” Jesus afirma: “Respondeste corretamente; faze isso e viverás.”

Esses relatos deixam claro que, para Jesus, a salvação não se resume a um assentimento intelectual ou a uma fórmula dogmática. Ela se realiza no amor concreto a deus e ao próximo, na prática da justiça, no desapego, no perdão, na solidariedade.

Isso não anula o valor de sua cruz, que é a expressão suprema do amor que se dá. Mas desloca o centro da experiência cristã de um discurso sobre o sacrifício para uma vivência transformadora conforme o espírito do evangelho.

Assim, é necessário discernir entre o que é tradição humana e o que é evangelho. Quando os ensinamentos ou práticas da Igreja, seja qual for a denominação, se afastam da essência do que Jesus viveu e ensinou, é legítimo e necessário questioná-los. O próprio Cristo se posicionou contra estruturas religiosas que oprimiam em nome de deus.

Em tempos de confusão e multiplicidade de vozes religiosas, talvez o maior testemunho cristão seja este: voltar a Jesus, não como ídolo cultural, mas como mestre vivo, que convida à conversão do coração. O cristianismo não nasceu para ser uma religião de poder, mas uma comunhão de discípulos que, como ele, aprendem a lavar os pés uns dos outros.

Cleiton dos Santos 


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