"Ser" ou "Ter"?
Desde os primórdios da civilização, o ser humano tem buscado sentido. Não vivemos apenas para sobreviver, queremos deixar marcas, construir legados, compreender o mistério de estarmos aqui.
Os gregos, inquietos diante do caos, desejaram a liberdade. Sonharam com o equilíbrio entre razão e emoção, entre o indivíduo e a coletividade. Criaram a democracia não como sistema perfeito, mas como expressão de um povo que queria ser livre, ainda que imperfeitamente.
Os romanos, movidos pelo desejo de grandeza, entenderam que a força bruta não bastava. Para dominar vastos territórios e manter a ordem, era preciso estrutura, leis, organização. E assim deram à humanidade as bases do direito, pois, no fundo, sabiam que não se governa apenas com espada, mas com inteligência e estratégia. Eles queriam ser poderosos, e aprenderam que o poder verdadeiro exige mais que força: exige ordem, exige lei.
Os egípcios, fascinados pelo mistério da morte, ansiavam pela eternidade. Passaram mais tempo construindo túmulos do que casas, mais preocupados com o pós-vida do que com o agora. A busca pela imortalidade os levou a desenvolver práticas médicas e rituais avançados. Eles queriam ser eternos, e sua contribuição ecoa até hoje.
Na Idade Média, o ideal de santidade dominou o espírito humano. A fé, muitas vezes usada como ferramenta de poder, também foi abrigo para os que ansiavam por pureza, transcendência, um lugar no paraíso. Ainda que contraditórios, cometeram pecados em nome da salvação. Eles queriam ser santos, mesmo que às custas da própria humanidade.
E hoje?
Hoje, trocamos o ser pelo ter.
Não buscamos mais liberdade, sabedoria, imortalidade ou transcendência. Buscamos posses. Ter coisas, ter seguidores, ter status, ter razão.
O verbo “ser” perdeu força, sufocado pelo barulho constante do consumo.
Ser cientista virou fazer ciência.
Ser filósofo virou fazer filosofia.
Uma relação amorosa virou fazer amor.
Ser humano virou fazer coisas, produzir resultados, atingir metas.
Mas o “ter” é sempre limitado. Não há carro, casa, corpo, fama ou dinheiro que dure para sempre. Tudo o que é material é passageiro. E, no entanto, nos deixamos aprisionar por isso, como se houvesse plenitude em acumular.
O planeta paga o preço.
Destruímos florestas para plantar desejo.
Secamos rios para irrigar ambições.
Exploramos vidas para satisfazer um consumo que nunca cessa.
O “ter” tem fim.
Mas o “ser”, ah, o ser é infinito.
Ser é presença. É consciência. É afeto.
Ser é escutar o outro, é cultivar o silêncio, é tocar o mundo sem dominá-lo.
Ser é perceber que a maior liberdade está dentro.
Ser é amar sem possuir, é viver sem colecionar.
Enquanto buscarmos sem parar o que podemos ter, deixaremos de descobrir o que já somos.
Talvez o maior desafio do nosso tempo não seja conquistar mais, mas lembrar quem somos quando tudo o que temos é tirado de nós.
Cleiton dos Santos
Comentários
Postar um comentário